Um olhar para quem não é visto: os desafios que os catadores de materiais recicláveis têm enfrentado no Brasil 

Centenas de trabalhadores desempenham diariamente um dos papeis mais importantes na economia circular;  projetos trazem “humanização” a quem precisa de oportunidades

Eles são mais de 800 mil profissionais e responsáveis por coletar 90% de todo o lixo reciclado no Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mas, ainda assim, são invisíveis e muitas vezes discriminados para milhões de brasileiros: os catadores de reciclagem. 

A importância do seu papel vai além da economia circular. Eles sustentam uma cadeia inteira de trabalho como agentes de transformação e conservação dos recursos utilizados na preservação ambiental, seja ela de pequeno, médio ou grande porte. 

A sociedade de forma geral tende a valorizar menos trabalhos manuais, muitas vezes considerados informais e até marginalizados. Isso, atrelado ao preconceito e discriminação que precisa ser combatida por meio de projetos de incentivo, educação e treinamento ambiental. Além da invisibilidade social, eles sofrem com a invisibilidade econômica, embora desempenhem um papel importantíssimo na cadeia de reutilização de resíduos.

Outro ponto também requer atenção de empresas e da sociedade civil: as condições de trabalho a que os catadores são submetidos. Estas, em sua grande maioria, são precárias, já que muitos deles não têm sequer acesso a equipamentos de proteção individual (EPI), à infraestrutura adequada, direitos trabalhistas, cursos ou treinamentos ambientais. A falta de políticas públicas de inclusão também contribui para esse sentimento. 

Mas se os catadores são invisíveis para muita gente, para as cooperativas, empresas empregadoras, marcas sustentáveis e Organizações Não Governamentais, eles são a visão de um futuro mais equilibrado, limpo e sustentável. Projetos espalhados pelo Brasil trazem reconhecimento, força e incentivos educacionais e financeiros para milhares de profissionais. 

O HUB da Cidadania, lançado pela Associação Nacional de Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis (ANCAT), em parceria com o Instituto HEINEKEN, é um projeto que permite que esses trabalhadores tenham acesso a serviços que elevem seu bem-estar.  Com uma equipe multidisciplinar, já ajudou mais de mil catadores de recicláveis cadastrados em ações de apoio e capacitação na cidade de São Paulo. 

Um ponto observado no estudo realizado pelas duas instituições citadas anteriormente revela que 39% dos catadores entrevistados utilizavam carroças. Atrelado a essa ferramenta de trabalho, temos o ‘Pimp My Carroça’, que foi criado há mais de 12 anos e começou como uma iniciativa de intervenção artística, que utiliza a técnica do grafite para estilizar carroças de catadores como forma de expressão e de dar visibilidade para esses trabalhadores. A ação ficou gigante e se dividiu em várias iniciativas que buscam desde posicionar os catadores como especialistas em educação ambiental, até revitalizar os galpões das cooperativas, entre muitas outras ações. 

A ação ficou tão grande que se transformou em uma ONG, que criou outra grande iniciativa: o aplicativo Cataki, também conhecido como o ‘tinder da reciclagem’. Caso não tenha nenhum ponto de coleta próximo ao local em que você está, ao baixar o app e adicionar a sua própria localização, é possível analisar quais catadores estão próximos a você. 

Outro projeto de impacto positivo para sociedade e os projetos ambientais de Santa Catarina é o Recicla Junto. Criado em 2019, durante um momento de transformação da Cristalcopo, empresa especializada em soluções para alimentação, surgiu como uma iniciativa para promover a reciclagem e fomentar a economia local. Junto a associações de catadores como a ACAFOR (Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Forquilhinha) já retirou mais de 400 toneladas de resíduos da natureza. 

Em Curitiba, o projeto Reciclajuda dá visibilidade e ajuda a aumentar a fonte de renda dos catadores. De um lado das carroças, eles andam com uma placa com o nome deles e o quanto percorrem durante um dia de trabalho. Do outro lado do carrinho, fazem publicidade para quem contrata o serviço deles. 

Um olhar ainda mais preocupante: os catadores no RS 

De acordo com estimativas fornecidas por representantes da comunidade de catadores no Rio Grande do Sul, estima-se que mais de 760 profissionais organizados e aproximadamente 1.500 trabalhadores independentes tenham sido diretamente afetados pelas enchentes. Esses números destacam a magnitude da crise enfrentada pelos trabalhadores essenciais, que desempenham um importante papel na sustentabilidade ambiental e na economia circular gaúcha. 

Em todos os municípios atingidos pela catástrofe climática do Rio Grande do Sul, a situação é ainda mais grave: há, pelo menos, sete cooperativas contratadas pelo município e outras três operando sem acordos formais submersas desde o início de maio. As águas das enchentes inundaram as instalações, tornando inutilizáveis os materiais recicláveis que eles coletaram. As cooperativas não atingidas diretamente pelas enchentes enfrentam desafios como falta de energia elétrica e escassez de água, agravando ainda mais as circunstâncias. Todo o material impregnado com lama deverá seguir para incineração em aterros especializados. 

Por fim, uma das grandes soluções para minimizar os agravantes da invisibilidade social e financeira dos catadores é aumentar o número de empresas parceiras e ações que possam gerar, além de renda financeira, uma condição social digna de quem executa um trabalho com tanta responsabilidade.

“Nosso objetivo é valorizar cada catador como um agente essencial da sustentabilidade. Queremos que eles sejam vistos, ouvidos e respeitados, porque só assim conseguiremos construir uma sociedade mais justa e consciente”, ressalta Augusto Freitas, CEO da Cristalcopo e do Recicla Junto.

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